Haddad vai para o céu – 19/04/2024 – Demétrio Magnoli

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Haddad vai para o céu – 19/04/2024 – Demétrio Magnoli

Não existe almoço grátis. Lula sonha ter, ao mesmo tempo, aumento real de gastos públicos, inflação dentro da meta e juros baixos. Mas a economia é implacável: o Brasil só pode obter duas dessas três coisas. Fernando Haddad é o santo que, sob implacável “fogo amigo”, tenta persuadir o presidente a curvar-se à realidade econômica.

No início do governo, a expansão fiscal da PEC da Transição e a persistência de pressões inflacionárias exigiam uma política monetária apertada. O BC cumpriu sua missão, impondo a renúncia a juros baixos. Roberto Campos Neto tornou-se o bode expiatório perfeito para o Planalto e o PT, que tendem a identificar as leis econômicas à vontade de perversos especuladores “da Faria Lima”.

Foi então que entrou em cena Haddad, o prestidigitador, com seu arcabouço fiscal: a promessa de contenção dos gastos públicos. No fundo, a complexa geringonça não garantia equilíbrio fiscal nem, menos ainda, uma trajetória de redução da dívida pública. Entretanto, no horizonte de curto prazo, alterou as expectativas, propiciando a redução dos juros com controle inflacionário.

Efetivamente, era um programa de crescimento moderado da dívida pública, em troca do afrouxamento paulatino da política monetária. Os agentes econômicos entenderam a mensagem, mas abraçaram o mensageiro. Sem ele, concluíram, ninguém evitaria o aventureirismo fiscal de um presidente que acredita em almoço grátis.

Haddad, o equilibrista, não teve um único dia de sossego. A gradual redução da taxa de juros afastou Campos Neto da alça de mira e o discurso do negacionismo econômico voltou-se para o ministro da Fazenda. Lula exibiu publicamente seu desprezo pela meta de déficit zero. Gleisi e companhia bombardearam uma “política fiscal contracionista”, exigindo a expansão acelerada dos gastos estatais e, portanto, um crescimento desenfreado da dívida pública.

Haddad, o mestre da conciliação, precisa criar espaço para investimento e, simultaneamente, curvar-se ao tabu lulista que impugna como “neoliberal” qualquer tentativa de reformar as despesas públicas obrigatórias. Sem o direito de mexer em despesas que crescem inercialmente e representam 92% do Orçamento federal, o ministro da sofrência engajou-se na ingrata empreitada de obter receitas extraordinárias. Cavou fundo em busca de tesouros escondidos, garimpou o leito de rios inférteis –até, exausto, jogar a toalha.

“Ano que vem em Jerusalém”: a meta de superávit de 0,5% do PIB foi transferida de 2025 para 2027 e a quimera de superávit de 1% ficou para 2028. O FMI e o mercado fizeram seus próprios cálculos, cravando déficits sucessivos até 2027. Na prática, o novo programa fiscal implica crescimento acelerado da dívida pública, que deve romper a barreira de 90% do PIB em 2026. Lula deixará uma bomba fiscal no colo do próximo presidente.

No ciclo petista anterior, abençoado por um céu global sem nuvens, a catástrofe fiscal demandou três mandatos. Ao contrário de Lula, Haddad sabe que, sob as nuvens plúmbeas que circulam pelo mundo, a janela do negacionismo feliz tornou-se mais curta. Ele não quer ser Mantega –e não quer que Lula seja Dilma. Mas, à medida que sua palavra perde credibilidade, a política econômica transforma-se numa coleção de gestos reativos desconexos.

Haddad vai para o céu, mesmo que seu corpo físico permaneça na Fazenda. Sem âncora fiscal eficaz, teremos que optar entre descontrole inflacionário e um novo aperto da política monetária. O comando do BC troca de mãos no primeiro dia de 2025. O conselho de Campos Neto ao sucessor é “ter a firmeza de dizer não quando necessário”. O impulso de Lula será indicar alguém incapaz de dizer-lhe não. Meu conselho ao novo timoneiro: estude a história recente da Turquia. Lá, o negacionismo econômico fabricou inflação, recessão e um espetacular fracasso eleitoral.


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