Apesar de derrota, Diretas colocou povo como protagonista – 24/04/2024 – Poder

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Apesar de derrota, Diretas colocou povo como protagonista – 24/04/2024 – Poder

A derrota das Diretas Já no Congresso, em 25 de abril de 1984, frustrou a sociedade civil, que nos meses anteriores animara a mais contagiante campanha da história do país, mas não dilapidou o capital político amealhado nos megacomícios, com o qual se abriria caminho para o fim da ditadura militar.

A frustração foi potencializada pela estreita margem da derrota: faltaram apenas 22 votos para ser aprovada na Câmara dos Deputados a emenda Dante de Oliveira, que restabelecia o voto direto para presidente da República.

O resultado contabilizou 298 votos a favor das Diretas, inclusive de 55 do PDS, o partido que dava sustentação à ditadura. Votaram contra 65 deputados.

Os maiores responsáveis pela derrota, no entanto, foram os 113 ausentes, que, ao debandarem do plenário, tentaram evitar a associação com uma decisão que os colocava do lado errado da história.

A estratégia não permitiu que saíssem ilesos. No dia seguinte, a Folha, corretamente, listou-os na coluna dos que votaram contra, pois esse foi o efeito prático da sua ausência.

Durante a campanha, o entusiasmo da população teve como contraponto o ceticismo dos analistas que, amparados na aritmética, anteviam que a oposição não teria votos suficientes para aprovar a emenda.

A pressão das ruas e as fissuras na frente governista deram alguma esperança aos mais otimistas. Depois do verão politicamente mais efervescente da história do país, a sociedade civil parecia querer acreditar que uma vitória, ainda que muito difícil, seria remotamente possível.

Na Câmara, de qualquer maneira, seria dado só o primeiro passo. Se aprovada, a emenda seria submetida ao Senado, onde a chance de passar era ainda menor, dado o perfil da casa, cuja representatividade estava desfigurada pela presença dos chamados “biônicos”, os parlamentares escolhidos pelo governo.

Horas depois da divulgação do resultado da votação, Tancredo Neves recebeu um telefonema. Do outro lado da linha, o assessor, desolado, comentou que estava tudo acabado. Ao que o governador mineiro respondeu: “Claro que não. Agora é que tudo está começando”.

Tancredo tivera um comportamento percebido como ambíguo durante a campanha. Subiu em vários palanques, caprichou na retórica a favor das Diretas e organizou o próprio megacomício em Belo Horizonte. Mas, enquanto fazia tudo isso, não deixava de, nos bastidores, entabular conversas sobre um plano B, caso as Diretas fossem barradas no Congresso, a hipótese francamente mais provável.

A partir de 26 de abril, o que até então era conversa de gabinete virou articulação política mais ou menos às claras. A campanha das Diretas ainda teria uma sobrevida, mas o entusiasmo não era mais o mesmo.

A oposição tentou uma manobra improvável para reavivar as Diretas. Usou uma emenda do presidente João Figueiredo para reintroduzir o tema no Congresso. A iniciativa do governo federal, anunciada dias antes da votação, previa a antecipação das eleições, de 1990 para 1988 –não seria “já”, mas “em breve”. Com a concessão, buscava desmobilizar a campanha e justificar o voto contra dos deputados governistas.

Derrotadas as Diretas, a emenda perdeu o sentido, mas, como não foi retirada imediatamente, ofereceu uma brecha para que oposição nela reintroduzisse a volta da eleição direta “já”.

A partir de junho –pouco mais de um mês após a derrota no Congresso–, comícios voltaram a acontecer. Primeiro em Brasília, depois em Curitiba, São Paulo e Rio. As praças enchiam, mas não como antes. E aos poucos, a festa murchou.

O fato é que, antes dessa retomada, em meados de maio, Tancredo já sinalizara que aceitaria ser o candidato “ambivalente”, ou seja, poderia concorrer tanto na eleição direta como na indireta, a cargo de um restrito Colégio Eleitoral.

Dos caciques políticos que tomaram parte na campanha, Tancredo era o único que reunia os pré-requisitos para se colocar nessa posição.

De um lado, era popular e tinha legitimidade como democrata, algo que construíra ao longo de sua trajetória, alavancada desde quando fora primeiro-ministro de João Goulart, o presidente deposto pelo golpe de 1964.

De outro, desfrutava da confiança dos militares, preocupados com o que chamavam de revanchismo, como viam acontecer na Argentina, onde generais estavam sendo levados ao banco de réus pelo governo democraticamente eleito em fins de 1983, justamente quando começava a campanha das Diretas.

Tancredo soube usar o legado das Diretas para conduzir o país à democracia, ainda que pela via indireta. Seria eleito em 15 de janeiro de 1985, pondo fim a duas décadas de ditadura militar.

O fato de, com sua morte, em 21 de abril, ter assumido a Presidência um vice que fizera carreira sob os militares, embora tenha frustrado pela segunda vez a sociedade, não desviou o país do processo de redemocratização iniciado com as Diretas. Egresso da Arena e do PDS, José Sarney acabou, na chefia do Executivo, assumindo os compromissos de Tancredo.

É possível que, com ou sem Diretas, a ditadura tivesse acabado? Talvez. Pode-se argumentar que, depois da Anistia em 1979 e da eleição dos governadores em 1982, o projeto de distensão política, iniciado pelo presidente Geisel em meados dos anos 70 e mantido por Figueiredo, levaria, cedo ou tarde, a esse desfecho.

Nesse caso, então, qual a relevância histórica das Diretas? Foi ter incorporado o povo na equação política como um protagonista, e não como mero coadjuvante, algo inédito nos momentos decisivos da República brasileira.

Foi a pressão das ruas que, acelerando o ritmo de abertura que o governo pretendia continuar ditando, viabilizou a eleição de um presidente civil e de oposição, colocando em marcha o processo de redemocratização.

Fonte: clique aqui.

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